quarta-feira, 30 de abril de 2014


O CaSo do EsPeLhO






Era um homem que não sabia quase nada. Morava longe, numa casinha de sapê esquecida nos cafundós da mata. Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a uma Loja e viu um espelho pendurado do lado de fora. O homem abriu a boca. Apertou os olhos. Depois gritou, com o espelho na mão: _ Mas o que é que o retrato do meu pai está fazendo aqui ? _ Isso é um espelho _ explicou o dono da loja. _ Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai. Os olhos do homem ficaram molhados. _ O senhor... conheceu meu pai ? _ pergunntou ele ao comerciante. O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de vidro e moldura de madeira. _ É não ! _ respondeu o outro. _ Isso é o retrato do meu pai. É ele sim ! Olha o rosto dele. Olha a testa. E o cabelo ? E o nariz ?E aquele sorriso meio sem jeito ? O homem quis saber preço. O comerciante sacudiu os ombros e vendeu o espelho, baratinho. Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa todo contente. Guardou, cuidadoso, o espelho embrulhado na gaveta da penteadeira. A mulher ficou olhando. No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e correu para o quarto. Abrindo a gaveta da penteadeira, desembrulhou o espelho, olhou e deu um passo atrás. Fez sinal de cruz tapando a boca com as mãos. Em seguinda, guardou o espelho na gaveta e saiu chorando. _ Ah, meu Deus ! _ gritava ela desnorteada. _ É o retrato de uma mulher ! meu marido não gosta mais de mim ! A outra é linda demais ! Que olhos bonitos, Que cabeleira solta ! Que pele macia ! A mulher é mil vezes mais bonita e mais moça do que eu! _ Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa toda desarrumada. A mulher chorando sentada no chão, não tinha feito comida . _ Que é isso mulher ? _ Ah, seu traidor ! Quem é aquela mulher lá no retrato ? _ Aquele mesmo que ocê escondeu na gaveta da penteadeira! O homem não estava entendendo nada. _ Mas aquilo é o retrato do meu pai ! indignada, a mulher colocou as mãos no peito : _ Sem vergonha pensa que eu não sei a diferença entre um velho e uma mulher horrorosa ? A discussão fervia feito água na chaleira. A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que estava acontecendo. Encontrou a filha chorando feito criança que se perdeu e não conseguia mais voltar para casa. _ O que é isso menina ? _ Aquele sem vergonha arranjou outra ! _ Ela ficou maluca ! _ berrou o homem, de cara amarrada. _ Ontem eu vi ele escondendo um pacote na gaveta lá no quarto, mãe ! Hoje, depois que ele saiu, fui ver o que era. Tá lá ! É o retrato de uma mulher ! A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal retrato. Entrando no quarto, abriu a gaveta, desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos. Olhou de novo. Soltou uma sonora gargalhada. _ Só se for retrato da bisavó dele ! A tal fulana é a coisa mais enrugada, feia , velha, murcha, desengonçada, capenga, careca, caduca, torta e desdentada que já vi até hoje ! E completou, feliz abraçando a filha : _ Fica tranquila. A bruaca do retrato já está com os dois pés na cova.

Conto popular recontado por Ricardo Azevedo.
                            O tempo cura tudo




                             
                                                                 


Era uma vez um passarinho que morava num ninho no alto de uma mangueira. Quando a mamãe passarinha saía cedinho para procurar alimento, falava:
- Ó filhinho, não saia do ninho. Você ainda é um filhotinho, pode cair lá embaixo e se machucar.
Mas o passarinho morria de vontade de dar as suas voadinhas, experimentar as suas asinhas cheias de peninhas. Experimentou uma vez. Experimentou a segunda. Quando experimentou a terceira, caiu e quebrou uma asa. Saiu, andando pelo chão, arrastando a asa, procurando uma ajudinha.
- Ó minha amiga vaquinha, conserte a minha asinha, que eu quebrei dando uma voadinha.
A vaquinha, muito mal-humorada, disse que não entendia de asas. O passarinho continuou o seu caminho, arrastando a sua asinha quebrada. Até que encontrou um cavalo e pediu ajuda de novo, coitadinho.
- Ó meu amigo cavalinho, conserte a minha asinha, que eu quebrei dando uma voadinha.
O cavalo relinchou e disse que não consertava asas. Não era veterinário.
E lá se foi o passarinho andando, pedindo ajuda a todo mundo que encontrava, ouvindo sempre o mesmo. Até que encontrou um rio, muito transparente, e parou para beber água.
- Ó meu amigo riozinho, conserte a minha asinha, que eu quebrei dando uma voadinha! E o rio de águas claras cantarolou:
- Bote aqui a sua asinha bote aqui no leito meu e depois não vá dizer que você se arrependeu.
E com todo cuidado, enfaixou a asinha do amiguinho, sorrindo dizendo:
- Dê um tempo ao tempo, fique quieto uns dias no seu ninho, meu passarinho!
E foi o que o passarinho fez.
Voltou para o seu ninho e deixou o tempo passar, bem quietinho.
O tempo passou.
Ele sarou e aprendeu a voar bem direitinho.
E no seu primeiro vôo sozinho, levou uma flor para o seu amigo riozinho. Ele agradeceu com um sorriso claro.
- O tempo cura tudo. É só dar tempo ao tempo, amigo passarinho.

Autoria desconhecida